TRETA JURÍDICA - DIVERGÊNCIA LEGIONÁRIA


Era uma vez um jovem de Brasília, morou parte de sua infância em Nova York, mas nasceu carioca!


Esse jovem viveu, por conta de uma doença óssea, um período entre a cama e a cadeira de rodas. Aproveitou o momento para compor letras e músicas. Já curado, como muitos jovens, sonhava em formar uma banda, se apresentar em palcos, passar sua mensagem... Algumas tentativas, apresentações solo, mais tentativa... e eis que surge, em 1982, a LEGIÃO URBANA.

Em 1985, é lançado o primeiro álbum da banda e é sucesso!

Foram mais de 10 discos e muitos shows. Alguns emblemáticos: o primeiro show no Circo Voador no Rio (1984), que fez a banda se tornar conhecida no Brasil; a confusão do show em Brasília em 1988; o emblemático show do Jockey, também no Rio, em 1990, que acabou em homenagem a Cazuza recém-falecido; o show do Metropolitan (RJ) em 1994, que virou um álbum duplo ao vivo!

Ah! São tantas emoções e histórias... São tantas poesias e músicas, compostas na solitude e em parcerias.

Em 1996, então um jovem adulto, esse brasiliense do Rio (ou será um carioca de Brasília?) nos deixa...

Os fãs arrasados, os companheiros de banda sem chão... E um filho ainda criança.
Mas como toda banda de rock que se preze, essa também tem uma treta, nesse caso, uma TRETA PÓSTUMA.

Uma briga por direitos autorais e de imagem! De um lado, os membros remanescentes da banda que não querem a deixar morrer. Do outro, o filho, herdeiro, hoje já adulto e administrador de tais direitos no que diz respeito a seu pai.

O tema em questão, Direitos Autorais, principalmente quando muitas vezes está atrelado ao direito de imagem e/ou voz, geram muita polêmica. E esse texto surge a partir de uma polêmica lançada por uma amiga: ela compartilha uma reportagem sobre essa disputa judicial e acha injusto o filho, herdeiro, está “brigando” e querendo administrar tais direitos no que diz respeito às obras da banda! Respondi ela nos comentários, mas percebi que para fãs de bandas o desejo nem sempre está de mãos dadas com o Direito.

Então, vamos a alguns conceitos para tentar resolver essa treta!

Direitos Autorais são os direitos os quais o autor possui no que se refere às suas criações de caráter estético, e por isso de obras artísticas. É um direito peculiar, especial, pois possui tanto o caráter moral quanto patrimonial.

No que diz respeito ao caráter moral, é o direito que o autor tem de ter a sua autoria reconhecida pela publicidade, citação... Esse direito não morre com o autor e nem pode ser objeto de negócio. Já no que se refere ao caráter patrimonial, é o direito que o autor tem de negociar seu produto, seja a divulgação ou até mesmo a venda (cessão) de tais direito, sendo inclusive objeto de herança de herdeiro do detentor desses direitos.

Já os Direitos de Imagem e Voz, esses são os chamados direitos da personalidade, não podem ser negociados em regra, e a divulgação desses para fins comerciais, só poderá se dá pela autorização do detentor do direito.

Voltando à Legião, o imbróglio envolve as seguintes questões:
1)      Um dos membros da banda já faleceu
2)      O membro falecido deixou herdeiro
3)      A banda continua ativa
4)      Grande parte das músicas tem autoria tanto do membro falecido quanto dos membros remanescentes
5)      O nome da banda foi registrado em nome de empresa homônima pertencente ao membro falecido e, portanto, herdada pelo filho (nesse momento descubro mais um direito envolvido: propriedade industrial, marca registrada, tema não abordado na reportagem partilhada pela minha amiga!)

A realidade é que a Legião Urbana continua, com novo vocalista. Nas apresentações os antigos sucessos são bastante solicitados. Além dos shows, a banda tem interesse de reproduzir antigos álbuns e vídeos nas novas mídias... Novos negócios com antigas composições e imagens/voz. E o direito para tal, exige, no mínimo, autorização de todos.

Ocorre que o herdeiro do falecido líder da banda discorda de algumas direções que esses negócios estão seguindo, e direitos estão confrontando.

A marca Legião Urbana está registrada desde 1987 em nome de uma empresa homônima que hoje é administrada pelo herdeiro do membro falecido. Esse registro engloba várias classes de serviços e produtos relacionados ao meio musical e artístico. Porém, é fato notório que os dois membros remanescentes contribuíram para o sucesso da banda desde sua origem, inclusive em coautorias musicais. Tendo, direito moral a permanecer com o nome.

O conflito surge por conta de que o herdeiro não é representante da banda, mas detém a marca e herda alguns dos direitos referentes a seu pai.

Legalmente, esse herdeiro detém o direito de autorizar ou não o uso do nome Legião Urbana.

Por outro lado, os membros remanescentes alegam que a marca Legião Urbana está associada à banda, e a banda era os três.

Como treta boa é aquela que vai parar no Judiciário, esta tem um processo em curso.
Os membros da banda continuam podendo tocar as músicas normalmente, afinal são coautores. Há uma sentença que também os dá o direito de uso do nome Legião Urbana, mas tal sentença vem passando por diversos recursos para sua modificação.

O fato é que essa briga impede que ambas as partes sejam limitadas: relançamentos dos álbuns e vídeos, lançamentos de obras póstumas... E os que se sentem mais prejudicados são os fãs da banda que querem ter acesso a toda produção artística da banda!

O desconhecimento nos idos anos 80 sobre o tema Propriedade Intelectual, que envolve Direitos Autorais e Propriedade Industrial (marca, patente...), hoje pipoca em diversos casos de disputa dentro do mundo do rock brasileiro.

Muitos nomes de bandas acabaram sendo registrados como marcas em nome de empresa, em alguns casos, a empresa pertence a apenas um dos integrantes, que acaba sendo o único proprietário da marca. Ocorre que uma banda de rock envolve produtos ligados às questões de Direitos Autorais: canções, shows, álbuns fonográficos... E esses pertencem à banda e consequentemente a todos os seus membros. Como compor interesses divergentes já que o produto autoral está atrelado a marca?

Essa TRETA LEGIONÁRIA não é diferente e ainda está rolando no Judiciário. Gerir positivamente tal interesse é complexo, afinal o herdeiro não tem qualquer afinidade com a banda. Nem sequer acompanhou sua trajetória como um fã da época, já que era muito criança. Os demais membros só querem continuar o trabalho artístico da banda, revisitar momentos passados e lançar novas canções. E todos tem os direitos pelos quais lutam!

Como advogada vejo que seria o momento de um trabalho mais amplo, como as Práticas Colaborativas. Técnica que envolve equipe multidisciplinar, com profissionais de diversas áreas, para junto com as partes vislumbrarem uma solução que equilibre os interesses.

Mas como fã, acho que o herdeiro deveria se ater apenas nos interesses quanto a imagem do pai. Deixar a banda e tudo relacionado a ela para os membros remanescentes administrarem, ficando apenas com o valor pecuniário correspondente ao direito patrimonial que herdou.

Nós, fãs, só queremos que essa treta se resolva logo para poder curtir a nossa Legião!!!



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