ART. 5º INC. IX E X DA CRFB/88 E O DIREITO À SÁTIRA
OS LIMITES SATÍRICOS
INTRODUÇÃO
A Arte sempre
sofreu alguma perseguição ao longo da nossa história. Afinal, o artista com sua
sensibilidade revela as verdades que a sociedade muitas vezes não quer ver. Um
dos gêneros que mais sofrem com essa perseguição é a Sátira.
Eu, como
advogada e professora de Língua Portuguesa e Literatura, sempre me coloco na
defesa da Arte, sobretudo a literária. E este artigo tem a função justamente de
defender o Direito a Sátira.
Então, o
Segunda de Lei de hoje trará artigos que nos orientam nessa defesa e na
ponderação de interesses conflitantes.
Começarei
apresentando o que é Sátira, para a seguir tratar do Direito e dos
dispositivos. Concluirei destacando a importância da Sátira.
1. O que
é Sátira
A
Sátira, na sua origem, é uma composição poética cujo objetivo é censurar e
ridicularizar defeitos ou vícios. Vem da palavra latina satirae. Hoje,
esse significado se ampliou, pois uma sátira não é mais apenas uma composição
poética, é um gênero artístico baseado na crítica zombativa, com o objetivo de
incentivar a reflexão através do humor. Dessa forma, poderemos ter vários tipos
de composição que são consideradas sátiras na atualidade.
1.1 Denotação
e Conotação
Um dos instrumentos
utilizados pela sátira é a conotação: uso de palavras ou expressões em sentido
não usual, comum. É preciso conhecer o contexto para poder compreender o que
está sendo dito. O quadro a seguir
diferencia denotação de conotação.
DENOTAÇÃO
|
CONOTAÇÃO
|
Sentido denotativo
Significação restrita
Sentido comum, aquele encontrado no
dicionário
Linguagem exata, precisa
|
Sentido conotativo
Significação ampla (dada pelo contexto)
Sentidos carregados de valores afetivos,
ideológicos ou sociais
Utilização de modo criativo
Linguagem expressiva, rica em sentidos
|
1.2 A
sátira no Brasil
O
pioneiro do gênero no Brasil foi Gregório de Matos, poeta do século XVII. É um
dos principais nomes do Barroco Brasileiro (estilo de época marcado por
exagero, contradição, religiosidade nas artes), mas, diferente dos outros artistas da
época, também foi crítico ferrenho do governo e da elite social com sua
religiosidade de fachada. Tais críticas eram feitas a partir de poemas
satíricos e por conta deles, Gregório de Matos passou a ser chamado de “Boca do
Inferno”.
Hoje
a sátira é uma constante nos programas humorísticos da TV, que tem como
matéria-prima a política, a religião e a própria sociedade.
para saber mais sobre o Barroco no Brasil
para saber mais sobre Gregório de Matos visite o link do site da Academia Brasileira de Letras
2. Liberdade
de Expressão: qual o limite?
Nos
últimos tempos, tem se discutido muito os limites das Sátiras. Profissionais do
meio jurídico se debruçam em debates sobre o chamado “Direito à Sátira”: o que
garante tal direito? qual seu limite?
Como
visto no tópico anterior em que conceituamos “sátira”, esta é uma expressão
artística e intelectual. Portanto, o Direito à Sátira pode ser compreendido
como um dos desdobramentos do Direito à Liberdade de Expressão, direito este fundamental
constitucional.
Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, (...), nos seguintes
termos:
(...)
IX
– é livre a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independente de censura ou licença
Como
todo Direito Fundamental Constitucional, a liberdade de expressão deve ser
garantida na sua plenitude. Mas já vimos em artigo anterior, o que tratava do
direito de locomoção, que mesmo os Direitos Fundamentais Constitucionais podem
sofrer restrições quando se chocam com outros da mesma espécie.
Concluímos,
então, que o Direito à Sátira pode (e deve) ser considerado um Direito Constitucional
Fundamental, visto se tratar de um dos desdobramentos do art. 5º inc. IX, da
CRFB/88 que dispõe sobre a “liberdade de expressão” artística e intelectual. E
que, como os demais direitos da mesma espécie, pode sofrer limitações quando em
confronto com demais Direitos Fundamentais Constitucional. E um desses limites
pode ser o Direito à Honra.
3. Honra:
quando podemos considerá-la violada?
Como
disse Gabriel García Marques, em Amor em tempos de cólera, “a única
coisa pior do que a má saúde é a má fama”. E tem razão o escritor. A má saúde
nem sempre atinge descendentes, “morrendo” junto com quem sofre. Já a má fama
perdura no tempo, mesmo após a morte de quem está sofrendo com essa má fama. E,
tanto o sofrimento quanto a própria atribuição ofensiva à honra podem atingir
as gerações seguintes. Vira um estigma!
A
Honra é também um dos Direitos Fundamentais Constitucionais constante no art.
5º, inc. X que diz “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem ...”. Apesar de não estar expresso no nosso Código Civil, a partir do
significado da palavra honra, compreendemos essa ser um atributo da
personalidade, logo estaria inserida no rol dos Direitos da Personalidade,
direitos esses que consagram a dignidade humana.
HONRA:
Princípio de conduta pessoal que se fundamenta na ética, honestidade, coragem,
e outros comportamentos sociais considerados dignos e virtuosos, e que lhe
conferem consideração social e estima própria.
Mas,
quando confrontamos essa honra com a liberdade de expressão, sobretudo no
humor, fica a grande pergunta: Quando a liberdade de expressão viola a honra?
Tanto
a Constituição quanto nosso Código Civil não nos dão muito parâmetro para tal.
No que diz respeito ao Código Civil, podemos considerar uma falha, pois o
Direito a Inviolabilidade da Honra está diluído com outros dois direitos da
personalidade: nome e imagem. Mas nem toda violação à honra está atrelada ao
nome ou a imagem, e vice-versa. E isso acaba misturando as proteções.
Contudo,
o mesmo Código Civil dá uma orientação que se torna valiosa aos profissionais
de direito: o art. 953, quando nos
remete as indenizações por danos em caso de crimes contra a honra.
Art.
593 – A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação
do dano que delas resulte ao ofendido
Dessa
forma, buscamos nas teorias do Direito Penal, destacar a Honra, colocando sua
inviolabilidade como um direito autônomo e não atrelado ao nome ou à imagem.
Inclusive, diferenciando honra objetiva (reputação no meio social) e honra
subjetiva (sentimento que a própria pessoa tem em relação a sua integridade
moral).
INJÚRIA (art.
140 do CP)
|
DIFAMAÇÃO (art.
139 do CP)
|
CALÚNIA (art.
138 do CP)
|
Atinge a honra subjetiva
Atribuições de qualidades às quais a
vítima se sente ofendida
|
Atinge a honra objetiva
Imputa um fato não criminoso que
ofende a vítima.
|
Atinge a honra objetiva
Atribui falso fato criminoso à vítima.
|
Em
resumo, a violação contra a honra de uma pessoa está relacionada às fofocas
maliciosas. E, dependendo do nível da ofensa, pode ser considerada crime.
Então,
antes de sair por aí falando mal de alguém, sobretudo nas redes sociais, pense
que você poderá estar ofendendo a honra desse alguém e assim sofrer
penalidades!!!
CONCLUSÃO
Mais uma vez
vimos o conflito entre dois Direitos Fundamentais, tendo então que se
relativizar algum, através da ponderação dos interesses e o grau de violação
desses interesses.
No que diz
respeito à Sátira, devemos considerar que a ironia, a piada, o brincar com os
costumes são próprios da criação artística. O que se deve considerar é se a
honra da pessoa ou grupo é alvo ou instrumento dessa piada; a finalidade do
meio em que a piada foi veiculada; a veracidade do fato satirizado; o
propósito; e a possibilidade em igual destaque para explicações/resposta.
Aqui não cabe a
discussão da qualidade do humor, mas sim o grau da ofensa. Afinal, não devemos
censurar o humor, já que este é um importante instrumento para desenvolver o
senso crítico, necessário à consolidação de um Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
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linguagens. Vol. 1 – 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2013
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SCHREIBER,
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SOUZA NETO,
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Constituição
da República Federativa Brasileira de 1988
Decreto-lei
2.848/1940 – Código Penal
Lei
10.406/2002 – Código Civil
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