SEGUNDA DE LEI: ART. 5º, INC. XV DA CRFB/88

O DIREITO DE IR E VIR: A HISTÓRIA DA CALCINHÁSCARA
INTRODUÇÃO
Uma amiga me presenteou com uma história supercômica de tão surreal. Segundo ela a história é verdadeira, mas não sei de quem é a narrativa, se é dela ou de outrem. Junto a esse “presente” veio um “bilhetinho” (recebi tudo via whatsapp) com sugestões para o Segunda de Lei: associar a história com o Direito de ir e vir, segurança, liberdade, empoderamento... Ufa! E minha felicidade ao me deparar com leitura e compreensão de texto e revisão do nosso conteúdo de Língua Portuguesa?
O fato é que hoje, além de revisar o conteúdo de Neologismo, Estrutura/ Formação de Palavras, Empréstimos Linguísticos e Metonímia, iremos falar e refletir sobre o conceito de Liberdade relacionando com o direito de ir e vir, o direito a segurança e a ponderação de interesses em tempos de Pandemia.
                                                                                                                                                              

1.    A história
“A moça chega a um mercado na cidade do Rio de Janeiro, já de saco cheio dessa quarentena, eis que é parada pelo segurança que lhe impede de entrar no recinto sem máscara. Então, em ato contínuo a mão em sua própria xavasca (vulgo meio das pernas), retira, num único movimento sua CALCINHA.

Diante de clientes curiosos, que filmavam a cena, ela a lança no meio de sua cara, criando com essa forma marota brasileira freestyle uma:

CALCINHÁSCARA           


Cor da pele.

Ali não passa vírus, não passa nada. O que tá fora, não entra. O que tá dentro, não sai.

Olhando dentro do olho dos seguranças, uns caboclos de dois metros, tudo sem saber o que dizer diante dessa engenharia da gambiarra tropical... Eles ficaram mais sem resposta que Bolsonaro na frente de um professor de história, numa hora dessas em que o mundo, meu amigo, nunca mais será o mesmo, e você está vendo isso acontecer diante dos seus olhos.

Porque a pessoa precisa comprar meio quilo de carne moída e um Palmolive, cara, não é impedida nem por Jeová e sua espada de fogo.”

Gente, depois de ouvir essa história, só estou pensando qual parte da calcinha ficou para fora?”  


(livre adaptação feita por mim)

2.    Revisão de conteúdos de Língua Portuguesa
2.1.        Neologismo: É a criação de novas palavras num determinado idioma. Lembram do texto sobre o Feminicídio?

2.2.        Estrutura e Formação de Palavras
 ·         Estrutura de Palavras: Estudo das unidades mínimas significativas de uma palavrar (morfemas). São os radicais (base da palavra), afixos (prefixos e sufixos), desinências, vogais temáticas...
·         Formação de palavras: Processos pelos quais uma palavra é formada. Os processos básicos são a derivação (radical + afixos) ou composição (2 ou mais radicais)

2.3.        Figuras de Linguagem: São recursos que utilizamos para dar ênfase e tornar mais bonita e interessante nossa comunicação. A Metonímia é uma das figuras de linguagem, a qual se baseia na troca: usa-se o nome do autor no lugar da obra; o continente no lugar do conteúdo; da marca no lugar do produto.

2.4.        Empréstimo Linguístico: É a assimilação de palavras ou expressões estrangeiras num determinado idioma. Essa assimilação pode ser natural e por necessidade, ou por dominação. Alguns linguistas chamam de Estrangeirismo. Outros consideram que Estrangeirismo é diferente de Empréstimo. Para esses últimos, estrangeirismo é o uso excessivo e desnecessário de palavras estrangeiras por parte de nativos de um determinado idioma.


3.    O Direito Constitucional de ir e vir
O Direito de Locomoção, mais conhecido pelo cidadão comum como o direito de ir e vir, é um Direito Fundamental expresso no art. 5º inciso XV da nossa Constituição Federal que diz:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, (...) nos seguintes termos:
(...)
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens"

Mas é preciso saber interpretar e refletir sobre esse dispositivo. Vamos compreender o que ele se propõe a dizer.

Primeiro, por ser tratar de Direito Fundamental, é preciso compreender o que isso significa. Os direitos fundamentais constituem institutos que concretizam as exigências da dignidade humana em cada momento histórico, não devendo haver em regra hierarquia entre eles, todos esses direitos devem ser garantidos em igual condições. Hoje, no Brasil, esses direitos estão elencados principalmente no caput do art. 5º da Constituição Federal. São eles: vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade.

Nos atendo na Liberdade, que é o nosso propósito aqui, mais especificamente na Liberdade de Locomoção, devemos compreender que existem quatro situações:
a)    Direito de acesso e ingresso ao território nacional
b)    Direito de saída do território nacional
c)    Direito de permanência no território nacional
d)    Direito de deslocamento dentro do território nacional
Para nosso trabalho aqui iremos nos ater nos itens a) e d)
Hoje, estamos vivendo um cenário de Pandemia. O mundo todo está em estado de emergência, alguns até de calamidade pública por conta de um vírus: o Covid-19, vulgo corona vírus.
 E o que isso significa?
Cada nação está se vendo obrigada a tomar medidas que possam conter a proliferação desse vírus que possui algumas características diferentes de outros, com agravamento do quadro sintomático, principalmente insuficiência respiratória, podendo levar a morte em curto espaço de tempo. Dentre inúmeras medidas, temos nos deparamos com o chamado “isolamento social”. Nosso direito de ir e vir ficou bastante restrito!
Como assim? Não é um direito fundamental? O governo pode restringir?
Verdade, é um direito fundamental, que deve ter total proteção. Mas como tudo na vida é relativo, o próprio dispositivo constitucional permite limitações a esse direito em casos extremos, desde que com fundamento e a partir de uma lei.
No contexto atual dessa Pandemia, não houve outra saída para sua contenção. Não temos ainda vacinas ou outra forma de reduzir impactos da doença, não temos leitos e equipamentos suficientes para atender possíveis infectados... Então era necessário (e ainda é) ganhar tempo, estender a tal “curva”, para que poder estruturar o país para tratar e combater o vírus, providenciando pesquisas, equipamentos, leitos e pessoas capacitadas.
A situação acima descrita, em que coloca praticamente toda a população do país em risco de vida, é preciso sim limitar o direito fundamental de locomoção, sobretudo o direito de entrada no território nacional de prováveis pessoas infectadas e a também o direito de livre circulação no território nacional, com o objetivo de conter o contato social entre infectados e não infectados. Lembrando que muitos infectados não apresentam sintomas, mas podem transmitir o vírus!
Mas se o direito a vida e o direito a locomoção são direitos fundamentais e ambos devem ser garantidos da mesma forma, então, por que limitar locomoção em prol da garantia a vida?
Bem, essa escolha está relacional à chamada Ponderação de Interesses.

4.    Ponderação dos interesses

Nesse contexto, tanto a Vida quanto a Liberdade de Locomoção são os interesses do ser humano. Porém, para se garantir um, acaba-se não garantindo o outro. Há um conflito entre os interesses a serem preservados.  Qual deve ser preservado?

É evidente, que a lógica, a ética, a moral, nossos valores e crenças nos direcionam a dizer “a Vida”. Afinal, sem a vida, não há nenhum outro direito humano a ser garantido!

Mas são muitos humanos envolvidos, com realidades e sentires diferentes, que confrontam com realidades e sentires de outros. E, no caso dessa Pandemia, os governos têm a obrigação de se manifestarem e tomarem medidas que causem menos impactos na sua população. Por isso, mesmo que inconscientemente, lançaram mão da Teoria da Ponderação dos Interesses.

Essa teoria nos remete a figura recorrente da Justiça: a balança. É verificar o peso da escolha, tentando encontrar não um meio-termo, mas uma solução que cause menos impacto negativo.

No caso do Corona Vírus, a medida a ser tomada num primeiro momento, era justamente o tal do isolamento social, na medida que é preciso sim garantir a vida da raça humana, da população de uma nação.  A balança do sacrifício pesou mais para o direito de locomoção, pois considerou-se que naquele momento o prejuízo que surgisse a partir da limitação desse direito era bem menor que colocar o direito da vida em risco. Mesmo ainda no contexto do vírus, pode ser que com o passar do tempo, surgindo outras soluções de contenção, seja possível fazer com que esse peso não exista mais, que não seja mais necessário confrontar esses dois direitos, podendo eles conviverem harmoniosamente como deve sempre ser.

CONCLUSÃO
Mas o que isso tem a ver com a história contada lá no princípio? O direito de ir e vir da moça estava sendo limitado por falta de um equipamento exigido por lei para locomoção nos dias atuais: a máscara!
E os seguranças do mercado não estavam errados em sua atitude. Ela estava infringindo uma lei de segurança da saúde pública.
Nesse momento, devemos compreender que precisamos limitar nosso direito constitucional de locomoção e que as autoridades devem punir quem não cumpre as normas de isolamento social.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. ver. e ampl., Rio de Janeiro: Lucerna, 2002
 CEREJA, Willian Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens. Vol. 1 – 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2013
CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. A nova gramática do português contemporâneo. - 3. ed.revista – Rio de Janeiro: Lexikon, 2007
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral. 10ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013
SOUZA NETO, Claudio Pereira e SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016
Constituição da República Federativa Brasileira de 1988


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