SEGUNDA DE LEI - Art. 124, inc. XIX da Lei 9.279/96 e FONÉTICA


LÍNGUA PORTUGUESA E DIREITO: A FONÉTICA DA SUA MARCA IMPORTA PARA O REGISTRO.


INTRODUÇÃO

Criar uma Marca é importante para seu negócio porque o humaniza, mas ela só irá agregar valor ao seu negócio se ela estiver registrada. Uma empresa ou um empreendedor que registra sua marca demonstra segurança e atrai investidores, afinal, esse registro é que garante uso exclusivo da marca, impedem que outros usem sem sua autorização e protege contra copiadores e concorrência.

Ao criar sua marca e antes de registrá-la, deve se ficar atento a alguns aspectos, dentre eles o Fonético, conforme o art. 124, inc. XIX da Lei 9279/96 (Lei de Propriedade Industrial – LPI):

Art. 124. Não são registráveis como marca:

(...)
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia

Inclusive semelhança sonora.

Oi! O quê? Já ouvi alguma coisa sobre isso lá nas minhas aulas de português do Ensino Médio, é sério que vou ter saber isso agora?
Sim! Isso mesmo! O empresário/empreendedor deve ter cuidado com a Fonética da sua marca.
Mas a proposto de artigo é justamente dar uma ajudinha nesse assunto.

1.   Fonética


A Fonética é a área de conhecimento da língua que estuda os sons da fala, considerando como esses sons são produzidos, como são transmitidos e como são percebidos.

A menor unidade sonora das palavras denominamos FONEMA.

Todo esse trabalho sonoro é realizado pelo nosso aparelho fonador, que é composto de 15 elementos.



Esses fonemas se classificam em: vogais, semivogais e consoantes. Mas cada um desses fonemas varia entre si conforme a movimentação do nosso aparelho fonador.

·         Vogal: fonema produzido por uma corrente de ar que passa livremente pela boca; é a base da sílaba
·         Semivogal: fonema produzido como a vogal, porém de forma mais fraca; daí não constituir sozinha uma sílaba
·         Consoante: fonema produzido por uma corrente de ar que encontra obstáculos (língua, dentes, lábios)

As vogais variam entre si conforme articulação, grau de abertura, nasalidade e tonicidade. Daí, alguns sons vocálicos podem ser beeem parecidos!

Da mesma forma que as vogais, as consoantes também variam, e também muitas vezes terão sons parecidos.

Esses fonemas vão se juntando em encontros, sílabas, até chegar a formar uma palavra. Logo, poderemos ter palavras com apenas um fonema, mas também com vários.

Quanto aos encontros temos:

a)    Encontros vocálicos:

·         Ditongo: vogal e semivogal
·         Tritongo: vogal e duas semivogais
·         Hiato: duas vogais

b)    Encontros consonantais

c)    Dígrafos:  Dois grafemas (duas letras), mas que representam apenas um som. São exemplos: rr, ss, qu, gu, lh, ch, nh, sc, sç, xc

É obvio que o estudo fonético de uma língua não se resume a essas considerações que fiz. Porém para a proposta desse artigo, essas informações são suficientes.

Devo chamar atenção, contudo, que para o registro da marca devemos considerar a sonoridade não apenas palavras avulsas, mas toda a sua expressão.

2.   Algumas semelhanças fonéticas do nosso dia a dia


Como visto, ao falarmos em Fonética, estamos nos referindo a som. Então, qualquer confusão só ocorre no momento da fala. É claro que alguns casos nem sempre geram tal confusão, mas devemos lembrar que no ambiente de conversa ou quando ouvimos uma música ou podcast nem sem o som sai puro...

Lembro da minha adolescência, uma música de Claudio Zoli que tinha um verso que era “Tocando BB King sem parar” e muitos, durante muito tempo entendiam como “Trocando de biquini sem parar” (obs: BB King é o nome de um artista americano logo a pronuncia da letra B é “bi”).



(obs: BB King é o nome de um artista americano logo a pronuncia da letra B é “bi”).

Para saber mais sobre BB King: https://pt.wikipedia.org/wiki/B._B._King

Acabei de revelar minha idade!!!

Outra confusão comum, para quem lembra dos ditados nos anos iniciais da escola, são de palavras que se diferenciam apenas por um fonema e esse fonema diferente se diferencia apenas por uma característica. Por exemplo, “cato” e “gato”, “fato” e “fado”.
Contudo, devemos lembrar sempre que a confusão fonética só se dará no contexto. Num ditado de palavras, basta a semelhança e um falar mais rápido para gerar a confusão. Já na leitura de uma texto, tal confusão pode não acontecer pois o próprio contexto nos direcionará para a palavra correta.

3.   Igualdade e semelhança fonética de marcas


No Direito Marcário, tanto para registrar uma marca quanto para questionar uma possível cópia ou concorrência desleal, o que vale é a confusão gerada (ou provável de gerar). Mas o que seria essa confusão.

Chamamos de confusão no Direito Marcário, quando duas marcas de produtos ou serviços iguais, semelhantes ou afins, confundem o consumidor na hora da compra por alguma semelhança entre elas, inclusive a fonética.

Mas como combater essa confusão? Existem duas formas.

A primeira é a chamada via administrativa, em que o proprietário da marca já registrada faz uma oposição quando um novo pedido de marca semelhante ingressar no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). O que é bem difícil acontecer, pois poucos proprietários de marca acompanham novos pedidos de registro no referido órgão. Essa seria uma medida de prevenção, isto é, se alegaria uma probabilidade de confusão.

A outra forma, a que acaba sendo a mais comum, ocorre pela via judicial. Aqui a confusão já deve existir em algum grau. Nesse caso, sendo reconhecida a confusão pelo juiz, o proprietário da marca com o registro mais recente perde a titularidade, ficando impedido de utilizá-la. Se apenas um deles estiver a marca registrada, em regra, aquele detém a propriedade da marca através do registro é que permanecerá com ela.

Em todos os casos, aquele que perde o direito de uso da marca poderá ser condenado por concorrência desleal e a pagar indenização, quando comprovada a má-fé. Essa má-fé dá-se principalmente quando o concorrente “copia” a marca para tirar vantagens de uma marca já consolidada, sobretudo sua clientela.

4.   E a fonética nessa história?


Nos dias atuais, em que o visual predomina, a fonética isolada pode não gerar confusão entre marcas. Porém, deve-se sempre analisar o caso concreto e sua produção de provas.


E quando falamos em confusão, lembramos logo de TRETA!

Para citar uma treta sobre esse tema que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), temos a “briga” dos absorventes “Sempre Livre” e “Seja Livre”.

Em ação ajuizada em 2011, a Johnson & Johnson, fabricante da marca “Sempre Livre, registrada anteriormente (em 1974), ingressou na Justiça contra a fabricante da “Seja Livre”, alegando imitação gráfica, fonética e ideológica de sua marca. Sustentou serem ilícitos os registros da marca e requereu a nulidade dela.

Mas a briga é anterior a isso. Ainda nos anos 90, a Johnson & Johnson ingressou com um processo administrativo junto ao INPI reclamando de tal imitação, no registro concedido à Seja Livre. Em 94, a Seja Livre saiu das gôndolas de vendas. Porém, a J&J perde e em 2003 a Seja Livre se prepara para ingressar novamente no mercado. Em 2011, a J&J decide ingressar com a ação judicial, tendo a sentença a seu favor: o INPI deveria anular o registro da marca Seja Livre e o fabricante deveria se abster do uso. Porém, a Seja Livre recorreu, tendo sido modificada a decisão a seu favor. Ouve vários outros recursos, até chegar ao STJ.

Aparentemente, pode haver sim confusão, mas a realidade mostra que não procede tal alegação. E foi assim que o STJ concluiu, levando em consideração os seguintes fatores:
·        Que de 1974 a 2002 a Sempre Livre já havia convivido com a também marca de absorvente Finalmente Livre sem fazer qualquer alegação
·        Que a marca Sempre Livre, apesar de notória, já convive ao longo de anos com outros produtos semelhantes do fabricante da concorrente que também possuíam a expressão “Livre” sem fazer qualquer alegação.
·        Que, por conta disso, não se trata de uma marca original, sendo, portanto, considerado um “signo fraco”.
·        Que o conjunto marcário (cores, tipo de letra, símbolos...), não são idênticos, impossibilitando uma possível confusão.
·         Que não foi possível encontrar provas de uma suposta má-fé do fabricante da Seja Livre.


Compare os produtos: 








Aqui, o que fica claro é que, apesar da semelhança fonética, a prática ao longo dos anos e a identidade visual dos produtos mostram não ter ocorrido confusão.

Palavras ou expressões com igualdade ou semelhança fonética acompanhada de uma identidade visual semelhante terão mais chances de levar o consumidor a confusão.  Contudo, mesmo sem estar acompanhada desta identidade visual, a semelhança fonética poderá também levar a confusão numa situação de telemarketing, por exemplo.

Daí a importância de se colher provas da confusão existente, levando algum caso concreto, ou fazendo testes que levem em consideração várias situações de compra do consumidor.

CONCLUSÃO

No nosso dia a dia, quando conversamos ou ouvimos as pessoas, muitas vezes percebemos que nos confundimos por compreender as palavras ou expressões parecidas. Essa confusão, pode nos fazer até fazer uma interpretação contrária. Aqui a confusão já existe na própria forma de ouvir.

O estudo da Fonética no que diz respeito a Marca se torna bem interessante. Afinal, não basta ter apenas a semelhança Fonética, essa semelhança deve gerar confusão ao consumidor, que no momento de sua compra adquiri um produto achando ser outro.

Portanto, para evitar problemas futuros, ao pensar na sua Marca, não negligencie a Fonética. Afinal, a principal função de uma marca é a distintividade.

ASSISTA TAMBÉM O VÍDEO: 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. 3 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2011

BARBOSA, Denis Borges. Proteção das Marcas: uma perspectiva semiológica. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017

CEREJA, Willian Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens. Vol. 1 – 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2013

CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. A nova gramática do português contemporâneo. 3 ed. Rio de Janeiro: Lexikon Infomártica, 2007

Lei 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial



https://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u68820.shtml

Comentários

Postagens mais visitadas