SEGUNDA DE LEI - Lei nº 13.104/2015
Feminicídio é "portuguesídio"?
INTRODUÇÃO
Esse
texto, complemento do projeto Segunda de Lei que apresento nas minhas
redes sociais, tem como base um post visualizado no Instagram que dizia:
Quando
li isso, logo pensei: “Eu conto ou vocês contam?”. Como advogada, professora de
Língua Portuguesa e mulher, decidi dar uma aulinha básica!
1. Neologismo
A palavra neologismo é
formada por dois radicais e um sufixo, todos de origem grega:
·
Neo
= novo
·
Log(o) = palavra
·
Ismo = sufixo, neste caso indicativo de uma
particularidade
A partir dos seus elementos
de composição, compreendemos que Neologismo é a criação de uma nova palavra.
Criar novas palavras em um
idioma é a coisa mais natural. A língua é algo dinâmico, um elemento vivo, que
deve se adaptar às novas realidades com o objetivo de tornar a comunicação cada
vez mais eficaz.
Novas palavras e expressões
surgem, principalmente, a partir desses dois mecanismos:
·
Utilização
do sistema linguístico para criação de um novo vocábulo - a palavra neologismo
é um exemplo
·
Atribuição de novo sentido/significado a
vocábulo ou expressão já existente no idioma – a palavra resenha, cujo
sentido original é “texto que resume e analisa um livro” e que hoje, entre os
mais jovens, é muito mais compreendida como reunião de lazer com amigos, é um
exemplo.
Outro aspecto
importante a se salientar é que, ao criarmos uma palavra nova, ela não será
inserida imediatamente aos dicionários nem reconhecida por entidades linguísticas.
Isso só ocorre quando a palavra ou expressão já está inserida ao vocabulário,
por um uso recorrente.
Sendo assim, se
uma palavra ou expressão foi criada para de fato expressar algo de forma mais
precisa, adequada e simples, com certeza em algum momento fará parte do rol de
vocábulos do idioma e será um verbete no dicionário!
2. Entendendo
de Estrutura e Formação de Palavras
Estudar e compreender um
idioma envolve alguns aspectos: Fonético/Fonológico, Morfológico, Sintático e
Semântico. Embora normalmente estudados em separado, eles formam um todo.
Quando falamos de
Neologismo, o aspecto que mais se destaca é o morfológico.
Tá! Mas eu sou leigo no
assunto. Que raios é esse aspecto morfológico?
·
Morfologia
(morfo = forma + logia = estudo) – é o estudo da forma.
Estudar, analisar,
compreender o aspecto morfológico de algo diz respeito a forma/formação desse
algo. No caso do idioma, diz respeito ao estudo da palavra: sua estrutura, sua
formação e sua classificação.
2.1.
Estrutura de palavras
As palavras se estruturam a partir de
letras, fonemas, sílabas e morfemas. Na Morfologia o foco é o morfema.
·
Morfema
– unidade mínima significativa
Temos os seguintes tipos de morfema:
a)
Radical
(ou raiz) – base de significação comum em todas as palavras da mesma família.
b)
Afixos
– partes não fixas da palavra – são os elementos agregadores e modificadores do
radical. São divididos em prefixos (antes do radical) e sufixos
(depois do radical)
c)
Desinência
– são os morfemas flexionais – servem primeiramente para indicar gênero e
número dos substantivos; e número e pessoa do discurso dos verbos.
d)
Vogal
temática – são as vogais que caracterizam as conjugações verbais e preparam o
verbo para receber sufixos e desinências.
e)
Vogal
e consoante de ligação – elemento insignificativo – servem apenas para tornar a
pronúncia da palavra mais fácil.
Como dito
anteriormente, uma das formas de se criar novas palavras é a partir do próprio
sistema da língua, isto é, juntando esses elementos.
2.2.
Formação de Palavras
É o conjunto de processos (Advogado
adora um processo!!!) que permitem a criação de novas palavras.
As palavras podem ser primitivas ou
derivadas, simples ou compostas.
·
Palavras
primitivas: são aquelas que não se formam a partir de nenhuma outra.
·
Palavras
derivadas: são aquelas que se formam a partir do acréscimo de uma afixo
(prefixo ou sufixo) ao seu radical.
·
Palavras
simples: são aquelas que possuem apenas um radical, podem ser tanto as
primitivas ou as derivadas.
·
Palavras
compostas: são aquelas formadas por dois ou mais radicais.
Cada palavra nova que surge em algum
idioma passa por um determinado processo. São eles:
a)
Derivação:
processo pelo qual as palavras surgem a partir do acréscimo de afixos ao
radical.
·
Derivação
prefixal: acréscimo de prefixo (ex. infeliz)
·
Derivação
sufixal: acréscimo de sufixo (ex. felizmente)
·
Derivação
parassintética: acréscimo tanto de prefixo quanto de sufixo num mesmo tempo,
obrigatoriamente. (ex. enriquecer)
·
Derivação
regressiva: redução da palavra ao seu radical puro, com acréscimo das vogais -a,
-e ou -o. (ex. cortar → corte)
·
Derivação
imprópria: a palavra muda de classe gramatical, sem mudar sua forma.
(ex. o burro [substantivo - nome de um animal] → ele é burro [adjetivo – pessoa
sem inteligência])
b)
Composição:
processo pelo qual as palavras surgem a partir da união de dois ou mais
radicais
·
Composição
por justaposição: postas lado a lado, conservando a integridade da palavra (ex.
guarda-chuva; girassol, pé-de-moleque)
·
Composição
por aglutinação: ao serem postas lado a lado perdem a sua integridade (ex.
boquiaberto, embora)
Existem alguma
controvérsia entre gramáticos: uns incluem outros processos formação de
palavras nesse estudo, outros só consideram esses dois.
Bem, para o
nosso propósito aqui, iremos considerar apenas esses dois.
3. O que
é Feminicídio e por que da lei?
crédito da imagem: https://guiadoestudante.abril.com.br |
A palavra “feminicídio”
começou a fazer parte do nosso vocabulário um pouco antes da Lei. Surge pela
necessidade, diante de alguns estudos científicos, sobretudo dentro da
sociologia e ciência jurídica, de caracterizar uma prática discriminativa muito
antiga na história mundial, porém abafada.
O motivo de diferenciar “homicídio”
e “feminicídio” é que neste último se trata de uma qualificação em razões de
condição de gênero.
Óbvio, numa sociedade de
raiz patriarcal, o surgimento desse vocábulo acompanhado de uma lei que dá um
caráter de crime qualificado ao homicídio praticado contra mulher num contexto
de violência de gênero gera muita polêmica. Mas não teve jeito!
Em 2015, foi sancionada a
Lei 13.104 que alterou o Código Penal Brasileiro, inserindo uma modalidade de
homicídio qualificado – o feminicídio – e alterou também a Lei de Crimes
Hediondos, incluindo o feminicídio no seu rol.
Tipificar o um homicídio em
razão de gênero e criar a palavra feminicídio se fez necessário dada
a discriminação sofrida pela mulher ao longo da história, sempre colocada num
lugar de inferioridade, submissão e subserviência diante do homem, primeiro o
pai e depois o marido. Além disso, esse crime está diretamente ligado à
violência doméstica de gênero.
Hoje, feminicídio é uma agravante do
crime de homicídio, sendo considerado crime hediondo.
CONCLUSÃO
A
palavra feminicídio não existia, mas hoje já existe. Portanto, não é um
“portuguesídio”. Como dito, sempre que há necessidade é possível criar novas
palavras e expressões numa língua. O que foi nesse caso. O que foi um atentado
à Língua Portuguesa foi esse “portuguesídio”, além dela ainda não existir, acho
pouco provável que seja aceita...
Afinal,
assim como feminicídio é a junção de dois radicais latino femin-
(mulher) + -cidio (matar), o melhor seria PORTUGUECÍDIO.
Portanto,
portuguecídio foi seu “portuguesídio”!
·
Referências
bibliográficas
CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário
etimológico da Língua Portuguesa. 4.ed. revista – Rio de Janeiro:
Lexikon, 2010
CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. A
nova gramática do português contemporâneo. - 3. ed.revista – Rio de
Janeiro: Lexikon, 2007
Decreto-Lei nº 2.848/1940
Lei nº 8.072/1990
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