SEGUNDA DE LEI - ART. 1277 DO CÓDIGO CIVIL


VIZINHOS: TER OU NÃO TER


Vizinho é uma figura estranhamente curiosa. Ao mesmo tempo que é aquele que te socorre no desespero, que salva aquele bolo que você estava fazendo quando descobriu que não tinha mais açúcar em casa, que se senta no portão contigo e conversa amenidades para o tempo passar e relaxar... É também aquele que coloca o som alto de manhã cedo, que martela em casa num domingo e cuja fruta da árvore vive caindo no seu quintal.

Conflitos com vizinhos, eis uma coisa corriqueira em nossas vidas e não é de hoje!
Lembro quando criança, quando eu e meus amigos brincávamos sempre tinha um vizinho a reclamar da nossa algazarra, ou de ter estragado o jardim, ou por ter arranhado um carro... Uns até ameaçavam: “Vou jogar água quente em vocês!!!”

Nos últimos três meses, todos em isolamento social (ou pelo menos deviam estar), trabalhando em home office, crianças em casa sem ir à escola ou poder brincar nas áreas de lazer do condomínio ou da cidade... Com certeza incômodos têm surgido, sobretudo nos grandes centros urbanos em que os seres humanos vivem apinhados em ambientes pequenos e muito próximos entre si.

Mas quando esse incômodo de fato está extrapolando? É possível reclamar desse incômodo?

Pensando nesses conflitos de interesses que surgem por conta do uso de um imóvel interferir no uso do outro, que o nosso ordenamento tutela os chamados DIREITOS DE VIZINHANÇA. O nosso Código Civil dedicou alguns artigos para o tema em questão (art. 1277 a 1313).

Art.1277 – O proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocados pela utilização de propriedade vizinha.

Aqui é importante ressaltar dois pontos:

1)      Que vizinho não é apenas aquele prédio contíguo (ao lado). O conceito é mais amplo: é o próximo o quanto se possa sofrer interferência. Não há raio ou medida certa, é vizinho se o que fizer no imóvel interferir em outro, mesmo que a dois quarteirões!
2)      Que Direitos de Vizinhança se trata do conjunto de restrições (deveres) impostas ao proprietário em prol do pacífico convívio com seus vizinhos, proprietários ou possuidores.
Contudo, o mais difícil nesse tema consiste em determinar quando interferências de um imóvel no outro devem ou não ser toleradas. Algumas situações o Código Civil delimitou, quando no parágrafo único do art. 1277 refere-se à natureza do imóvel (residencial, comercial, industrial...) e a localização atrelada às normas locais. Também o art. 1278 do mesmo código faz referência à questão do interesse público, que prevalecerá sobre o interesse privado. Sendo assim, se o imóvel que está interferindo com barulho de pessoas falando alto for destinada ao comércio, a tolerância é maior do que se for uma residência em que o aparelho de som esteja em volume máximo. Da mesma forma que se houver trepidação por conta de uma manutenção realizada pela companhia de água, esta será mais tolerável que uma trepidação porque o vizinho do andar de cima resolveu ficar pulando dentro de casa!

Mas a grande questão é quando o conflito não se encontra exatamente nos parâmetros dos dispositivos. Será que o vizinho da residência que coloca o som alto estará sempre enquadrado na intolerância?

Nesses três meses de isolamento social em que muitos estão trabalhando em home office, em profissões das mais diversificadas, com crianças em casa sem poderem ir à escola ou área de lazer, animais domésticos acostumados ao sossego e que de repente se veem numa casa super agitada... reclamar de barulho com certeza tem sido constante! Até porque muitas dessas pessoas que estão em home office participam de reuniões e conferência online, gravam videoaulas, ou estão atuando nas chamadas Lives! E as interferências de barulhos externos dificultam bastante tal trabalho: perde-se conteúdo e ritmo no ao vivo e tempo no gravado com repetições que poderiam ter sido evitadas.
Daí, se isso acontece com você, e vai lá reclamar com seu vizinho que tocava bateria justamente no momento daquela videoaula que você estava dando ao vivo, e ele te responde: sou baterista e estava fazendo uma Live patrocinada! Putz e agora? É o trabalho do cara! Como resolver? Tenho que aceitar? Deixar para lá?

Nessas situações é fundamental ter bom senso e buscar soluções para um acordo. Nem toda interferência de vizinhança está tutelada de forma objetiva pelo ordenamento jurídico, mas isso não quer dizer que é para deixar para lá.

Primeiro é, como vizinhos, tentar buscar soluções para pelo menos amenizar as interferências. Se não for possível sozinhos chegarem a um acordo, buscar profissionais e instrumentos para reequilibrar tal relação de vizinhança.
Afinal, ser inimigo do vizinho não é legal!

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