TRETAS JURÍDICAS - MARCA REAL


O QUE HARRY E MEGHAN PODEM NOS ENSINAR SOBRE GESTÃO POSITIVA DE CONFLITOS?







Introdução

Quando digo para meus clientes que meu trabalho como advogada está relacionado com a Gestão Positiva de Conflitos, todos já imaginam que minha atuação é única e exclusivamente evitar que surjam conflitos.

Então, antes de responder diretamente à pergunta do título, quero esclarecer como é o meu trabalho na Gestão Positiva de Conflito.

A missão mor é sem dúvida prevenir o conflito através da Advocacia Preventiva. Contudo, mesmo quando procuramos prevenir o conflito, esse vem à tona. A partir daí, nos deparamos com a necessidade de solucionar esse conflito da forma mais positiva possível, economizando tempo e dinheiro das partes envolvidas e fazendo com que ao final se sintam satisfeitos e com seu sentimento de justiça saciado.

1.    Desejo de independência e questões extrafamiliares

Harry e Meghan desejam buscar sua própria independência. Para famílias grande maioria das famílias esse anúncio soaria como um verdadeiro alívio.

Mas Harry e Meghan formam um casal da realeza britânica, provavelmente a Monarquia de maior peso do Ocidente. Daí tal anúncio levantar questões tão complexas.

A almejada independência do casal levanta não apenas questões corriqueiras familiares, envolve também questões de Direito Público e Direito Internacional.

Só para resumir: a) membros seniores (aqueles que estão na linha de sucessão) não podem exercer trabalhos comuns remunerados, podem exercê-los apenas em caráter voluntário; essa norma se deve para não gerar insegurança sobre possíveis privilégios dados a essas corporações; b) se para viverem de remuneração de trabalhos fora das obrigações de membros seniores da família real terão que renunciar tal posição, isso obviamente mexe com a linha sucessória do trono real; c) ao se ter um membro dispostos a renunciar tal posição, gera questionamentos sobre o equilíbrio e segurança da família real, o que resultará de dúvidas sobre posições políticas e econômicas da nação.
Isso tudo resulta em dúvidas sobre a solidez do país, bem como sobre questões diplomáticas.

Só que tal impasse acerca desse anúncio foi além: envolve título real e Direito Marcário (registro e da gestão jurídica de marcas).

2.    O registro do título real como marca

Ao longo da história, foram criados títulos de nobreza com intuito de estabelecer uma relação de vassalagem entre o titular e o monarca. Dessa forma, o “nobre” possui obrigações perante a esse monarca. Harry, por hereditariedade, recebeu o título de Duque e Meghan, por casamento, o de Duquesa. Junto a esse título, seguem certas obrigações da realeza e se exige certo comportamento dos seus detentores.

No passado, o que era privilégio e desejo, hoje pode virar um pesadelo. Na modernidade em que existem redes sociais, a mulher busca firmar uma posição relevante na sociedade, grupos de excluídos históricos exigem equidade nas normas e relações... fica difícil muitas vezes ser obrigado a seguir protocolos tão rígidos.

Talvez tenha sido isso, conforme noticiam os tablóides, que tenha ocorrido com o casal. Talvez, negociar o desligamento deles como membros da família real fosse mais simples, já que para tão almejada independência bastaria renunciar ao título e, consequentemente, a sucessão ao trono.

Só que Meghan sempre se mostrou empreendedora. Percebeu que o casal possuía empatia do povo, viu que o título real que detinham era uma marca de alto valor mercadológico. O casal resolveu então começar um investimento: criaram uma logo, registraram a marca e começaram a utilizar nas redes sociais do casal.

O principal impasse para que Harry e Meghan desfrutem da tão almejada independência ficou justamente na questão de que para isso deveriam, em regra, abrir mão do título de nobreza, o que faria despencar o valor mercadológico da marca a qual investiram.
Tal conflito urgia em ser solucionado de forma positiva, do contrário, poderia abalar as estruturas políticas e econômicas não só da Inglaterra, mas também de boa parte das nações. E aqui a decisão não é da avó, mas da Rainha.

3.    E se fosse no Brasil, o que diz nossa lei de registro de marcas?

 No Brasil, a lei que rege o registro de marca é a Lei 9.279/96. Não se trata de uma lei específica para marcas, mas sim de uma Lei de Propriedade Industrial (LPI), englobando também patentes, desenho industrial, indicações geográficas. A lei reservou para marcas o seu Título III, art. 122 a 175.

Adentrando nos artigos da lei, nota-se que o art. 122 dispõe sobre o que é registrável como marca (“sinais distintivos visualmente perceptíveis”), porém de maneira bem vaga. Então, ao criarmos um sinal distintivo, é necessário que voltemos nossa atenção ao artigo 124 da mesma lei, que nos seus 23 incisos nos diz o que não é registrável como marca. Sendo assim, o que não está no rol do art. 124 entende-se ser registrável por eliminação. Essa é a regra básica!

Por conta de alguns acordos e tratados internacionais, e até por costumes, a legislação acerca do tema varia muito pouco de país para país.

Mas se fosse no Brasil? Harry e Meghan conseguiriam fazer o registro dessa marca?
Não seria fácil conseguir esse deferimento, apesar de não haver proibição explícita. Vamos às questões:

·         O inciso IV do art. 124 veda registro de marca que seja sigla ou designação de entidade ou órgão público, salvo pelo próprio ente ou órgão. Se o Brasil fosse uma monarquia, eles como pessoas físicas provavelmente não conseguiriam registrar o título de nobreza como marca, mas a família real como entidade sim!

·         O inciso XIV do mesmo artigo veda registro de marca que imite título da União e seus entes federados. De acordo com esse inciso, o registro solicitado por Harry e Meghan poderia sim ser indeferido se fosse aqui no Brasil, afinal, pelo menos nominativamente imitaria título da União se o Brasil fosse uma monarquia!

Independente se é no Brasil ou não uma monarquia. Uma coisa é certa: uma vez dado o título de propriedade da marca, fica bem mais difícil perdê-lo!

É bem provável que o casal real tenha sido a todo momento orientado por bons advogados.

Notem que todo o procedimento de registro foi realizado antes de encaminharem o desejo de renunciar suas posições como membros sêniores da família real. Logo, tal pedido poderia ser interpretado como um pedido da entidade monarca governante.
Eles primeiramente criaram uma fundação e só depois a marca Sussex Royal, homônima à Fundação. Além disso, registraram seus títulos reais (Duque e Duquesa de Sussex) também como marca. Os pedidos foram encaminhados em junho de 2019 e o registro foi concluído em dezembro do mesmo ano. Ocasião em que anunciaram o desejo de “independência”.

E o grande impasse para negociar a renúncia do casal à posição de membros sêniores começou aí: teoricamente, Harry e Meghan teriam que abdicar do título real também. 

Mas como fazer isso se o casal era seu titular a partir do momento em que foi concedido o registro da marca e não a entidade monarca?

Será que o registro da marca lhes dava o direito de continuar ostentando o título, independentemente?

Bem, foram sagazes! Uma vez a marca registrada, passaram a poder negociar a manutenção do título de Duque e Duquesa de Sussex. Coisa que a própria mãe de Harry não pode negociar em seu divórcio!

Conclusão: A complexidade se fez Gestão Positiva de Conflitos

No dia 18/01/2020, tal questão foi definida: o casal não manterá os títulos de “alteza real”, mas permanecerão como os títulos de Duque e Duquesa de Sussex, que foram registrados como marcas. Afinal, estes últimos passaram a ser de propriedade deles!

Seguem também com a Sussex Royal.

E o que Harry e Meghan nos ensinaram?

Uma Gestão Positiva de Conflitos começa com uma Educação Jurídica, para saber identificar potencial conflito jurídico. Identificando, é fundamental buscar Advocacia Preventiva, o advogado irá avaliar a questão, a potencialidade do surgimento do conflito e quais as medidas cabíveis para prevenir ou amenizar um conflito futuro, além de apresentar instrumentos que poderão ser utilizados em sede de negociação ou defesa, além das Práticas Colaborativas e métodos de resolução de conflitos mais céleres como Conciliação, Mediação e Arbitragem. E orientar adequadamente quando a única opção for uma Processo Judicial.

É ESSE O TRABALHO DO ADVOGADO QUE ATUA NA GESTÃO POSITIVA DE CONFLITOS: ORIENTAR PREVENTIVAMENTE E APRESENTAR UM “CARDÁPIO” DE MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS PARA CADA CASO CONCRETO.
E LEMBRE-SE: ANTES DE REALIZAR QUALQUER ATO OU NEGÓCIO JURÍDICO CONSULTE UM ADVOGADO.

Foi o que fez Harry e Meghan!

FONTES:
Lei 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial
BARBOSA, Denis Borges. Proteção de marcas: uma perspectiva semiológica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017



*** ESSE TEXTO FOI PUBLICADO ORIGINALMENTE POR MIM NO JUSBRASIL***

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